quarta-feira, 20 de junho de 2018


"Vivemos numa época de muitos amores e de pouco amor. De muita superficialidade e pouca riqueza interior."
Carlos Afonso Schmitt



    Os ponteiros do relógio passam da uma e meia da manhã e as minhas mãos estão prontas para escrever a história sobre uma pessoa que entrou na minha vida com um sorriso e um olhar que prometiam ventos de mudança.

    Quando os nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, o seu sorriso trémulo expressava o medo de se criar uma conexão e eu, com medo de magoar aquela pessoa perante tal fragilidade, construí um muro que pudesse travar a pressa em construir-se tal ponte entre as duas almas. Não obstante, o desinteresse que me percorria as veias veio a dissipar-se com o passar dos meses e, pra falar a verdade, só me dei conta de que aquele olhar e aquele sorriso já tinham destruído o muro há muito tempo quando senti pela primeira vez o medo de a perder. E assim, tudo mudou. O medo de magoar aquela pessoa transformou-se no medo de sair magoado, porém, controlado pela enorme felicidade que aquela conexão de almas ainda me fazia sentir. Voava, cada vez mais, para o imaginário do seu peito, julgando eu que aquele ponto de encontro seria um porto seguro para ambos. Aquele lugar onde estaríamos longe de todo o mundo e de todos os problemas.

    Como em todas as “relações”, escreveram-se cartas de promessas ao vento, que o mesmo tratou de levar para longe. Os planos, o entusiasmo e toda a fantasia ao redor de algo que prometia ser mágico foram levadas pelo vento frio do Inverno. E quando chegaram os dias de calor, deparei-me com fotos nossas pintadas de decepção. Aquele sorriso e aquele olhar não passavam de memórias e aquela pessoa tinha-se tornado, repentinamente, motivo de tristeza e desconforto. Aquela pessoa que desenhava um sorriso nos meus lábios desapareceu tão rapidamente como outrora tinha aparecido na minha vida. Mas a culpa não é nunca das pessoas. O problema das almas que nos prometem ventos de mudança está precisamente na promessa e não na pessoa em si. Na verdade, porque as pessoas só nos dão o que podem dar tanto quanto for o tamanho da sua alma naquele momento. E, se naquele momento a alma for pequena, certamente não darão o que não podem dar.

    No final, e antes dos panos caírem e a peça terminar, ficam os momentos que proporcionei a quem, no momento, senti que os merecia. Momentos que percorreram vários actos de uma peça que me (nos) entusiasmava. No primeiro acto, quando a fui buscar a casa de madrugada para ver as estrelas comigo no topo de uma montanha. No segundo acto, quando depois de me curar de meio mês de enfermidade, me dispus a ir visitá-la no primeiro dia que me foi permitido sair de casa. Ou quando foi a primeira pessoa que fui visitar depois de voltar de uma viagem que nos separou por um oceano. Descobria, a cada novo dia, que o que me importava era estar perto. No terceiro acto, quando a minha vida se fundiu com a necessidade de a ajudar em tudo o que precisava na sua, compreensível, vida menos feliz. E eu percebia que, cada vez mais, a sua infelicidade era também motivo da minha. Tornava-se, o que de início parecia ser algo banal, um filme de fortes emoções raramente compreendido por quem pela racionalidade se faz funcionar. E tudo, mas tudo o que me dispus a oferecer de mim, não foi nunca na espera errada de que obtivesse retribuição. Tão somente na esperança e ilusão de que o que eu estava a desenhar fosse um trabalho em conjunto. Porque mesmo que os momentos possam ser vividos sem pensar no futuro, o mundo não pára e as coisas navegam até determinado sítio. E eu esperei, sempre (sempre!) que o sítio de chegada fosse o início de uma viagem inesquecível.

Por fim, no quarto acto, a história mudou de rumo e, quando lutei para que a decadência em que nos encontrávamos se revertesse, procurei no fundo do meu coração a paciência e a coragem de esperar que melhores dias viessem. Valeria a pena, sentia. Mas a tempestade nunca passou e aquela pessoa, que na última das cenas dormiu em meus braços, fez-me sentir a pessoa mais feliz do mundo por saber que estava ali. E estava. Mas apenas de corpo, porque a alma já tinha voado para longe. E com ela, toda esta história que prometia ser uma peça e virou um rascunho de incompreensível esquecimento.

    Esta história é igual a tantas outras e, no entanto, o seu grande ponto negativo existe e perdura em qualquer lugar do mundo: prende-se com a forma como o ser humano decide escrever as suas próprias linhas. Guiado pelo egoísmo, pela distância, pela forma fechada com que lida com as suas emoções, cessa toda e qualquer possibilidade de que conexões, como as que foram prometidas, se criem. E perdem-se oportunidades. Pessoas. Momentos. Sorrisos. Para quê? Cada um de nós está fadado ao eterno desaparecimento enquanto não procurarmos por nos aprofundar e nos conectar com as pessoas, com a natureza, com o mundo. Enfim, com o Universo.

    O que sobra, no final deste desabafo em tom informal - talvez o primeiro até hoje -, é um desejo de que este sentimento tão grande de amor, respeito e consideração não se perca em rancor. Porque tudo o que mais desejo é manter-me fiel ao que sinto pelas pessoas que, pelo menos uma vez na vida, me fizeram a pessoa mais feliz do mundo. E tu, eu, e todos os que leram estas palavras, temos quase sempre uma segunda chance de mudar as coisas e aproveitar o que a vida nos oferece - e que pode nunca mais voltar a oferecer.

Ainda teu,

Afonso Arribança

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