sexta-feira, 11 de maio de 2018


"Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!"
Florbela Espanca


    Quando, há uns anos, decidi aventurar-me sozinho pelas dunas de um deserto colado a quilómetros de praias sem quaisquer vestígios do ser humano, foi-me oferecida a oportunidade de sentir na pele os mais fortes sentimentos que alguém pode sentir. Quase no fim do meu trajecto de ida, a sensação de paz que me invadia e me desconcertava ao mesmo tempo foi interrompida. Fui apanhado desprevenido por uma tempestade que surgiu poucos minutos depois das primeiras nuvens, que pareciam inicialmente inofensivas. Fortes chuvas e vento aliavam-se a relâmpagos, à areia que voava pelo ar e às monstruosas ondas que rebentavam à beira-mar. Doía-me a pele cortava pela areia. Corria contra o vento, de olhos fechados, confiando a minha direcção ao instinto e aos sentidos, que pela proximidade ao mar, me orientavam. Tive medo e senti remorsos por ter ido sem avisar ninguém. Mas, essencialmente, senti-me vivo.

    Foi, quando por momentos desisti de lutar contra o vento, que me agarrei à pedra em forma de coração que me ofereceste e me deixei cair na areia, a chorar. No meio de toda aquela revolta da natureza, a dualidade medo-fascínio percorria-me as veias e foi nesse momento que me senti mais vivo que nunca. Levantei-me e gritei com todas as forças o meu amor por ti, eternizando na minha memória um dos mais perfeitos momentos que pude viver. A lamechice e o ridículo, com que rotulamos o amor depois de se estabelecer alguma distância temporal, não existe nestes momentos, não tem lugar no presente. O que somos, somos. O que sentimos, sentimos. E foi essa expressão de sentimento que imortalizou uma das mais bonitas histórias da minha vida. Cada um seguiu o seu caminho, mas o amor é eterno enquanto houver lembranças, e será sempre real enquanto visitarmos os lugares por onde passámos.

Afonso Arribança

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