sexta-feira, 27 de abril de 2018


"Que a gente possa ser mais irmão, mais amigo, mais filho e mais pai ou mãe, mais humano, mais simples, mais desejoso de ser e fazer feliz."
Lya Luft


    Nove anos depois de ter nascido, soube que iria ter um irmão. A minha reacção, infelizmente, não foi a melhor. Habituado a ser filho, sobrinho e neto único, a sensação de medo de perda foi súbita. O temor, tão erróneo, mas tão inconsciente, assente na possibilidade de perder a atenção e a devoção da minha família por mim, era tão grande que a tua chegada era sentida como uma ameaça. Pudesse eu saber, nesse instante, que o que iria perder, iria ganhar a dobrar. Pudesse eu saber, no dia daquela revelação, que melhor do qualquer outra coisa neste mundo, é ter um irmão como tu. Pudesse eu saber que serias tu, mais tarde, uma das pessoa mais importante da minha vida.

    Quando nasceste, rapidamente me rendi aos anseios de poder falar e brincar contigo, partilhar brinquedos, ideias, loucuras de criança. Era tão pequeno e inocente que não percebia que não podias, ainda, seguir-me nas brincadeiras. Pude, entretanto, acompanhar os teus primeiros passos, as tuas primeiras palavras, as tuas quedas, os teus choros mais irritantes e os teus sorrisos mais encantadores. E hoje olho pra trás, não com saudades do passado, mas com o maior orgulho na trajetória que vivemos. Não dei os primeiros passos contigo e não proferi as primeiras palavras do teu lado, mas os primeiros passos em direcção à verdadeira felicidade dei-os contigo, porque foi contigo e com a tua energia que aprendi também eu a ser feliz. E há pessoas que podem não perceber isso, porque nunca viverão aquilo que nós passámos enquanto família.

    O dia em que soube que a tua vida corria perigo foi, talvez, o pior dia da minha vida. A notícia caiu que nem uma bomba na minha cabeça. Lembro-me de correr para o meu quarto e deitar-me na prateleira de baixo da minha estante, o último lugar onde havias estado antes de ires para o hospital. Mantive-me horas no mesmo sítio sem conseguir conter as lágrimas e a pedir a Deus que não me tirasse o meu irmão. Foram cinco anos de luta que mudaram a nossa família e que, por muito terrível que tenha sido, talvez nos faça valorizar aspectos da vida que de outra forma não valorizaríamos. Saíste vencedor de uma luta com um final improvável, como sais de todas as dificuldades que se te atravessam na frente. É nesta tua força de viver, é na tua alegria contagiante, na forma como, energicamente, te levantas todas as manhãs, a cantar e a dançar, na forma como encaras os problemas (que, na verdade, pra ti nunca o são), que deposito o meu orgulho, a minha devoção e o meu amor por ti.

Não há ninguém neste mundo que possa partilhar o mesmo gosto musical, por inteiro, como nós os dois. Não há ninguém que possa partilhar o gosto pelos mesmos filmes, pelos mesmos sítios e rotinas. Não há nada que substitua os nossos momentos a cantar e a dançar, nem os que passamos a chatear os nossos pais. É por tudo isto e por muito mais eu só posso agradecer à vida pelo maior e melhor presente que alguma vez pude ter, o meu irmão.

Afonso Arribança

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