terça-feira, 17 de abril de 2018


"Há no homem o dom perverso da banalização. Estamos condenados a pensar com palavras, a sentir com palavras, se queremos pelo menos que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras.”
Vergílio Ferreira


     É da natureza humana relacionar-se com o passado de uma forma selectiva. Uma recordação na sexta à noite, durante aquela conversa com o melhor amigo, outra na cama, quando o tédio se abate sobre a vida... Mas, por norma, o passado fecha-se, misteriosamente não esquecido, dentro de uma caixinha. Por vezes, quando a abrimos, recordamo-nos aleatoriamente de algo ou de alguém, e por vezes – raras vezes – damo-nos conta de coisas que achávamos ter esquecido ou que já não importavam. Mas importam. Tu, minha querida, importas.

    Hoje, quando abri a caixinha, estavas lá, a sorrir como sempre. E nesse momento percebi que... Há uma parte de mim que te vai amar para sempre. Essa parte é aquela que me envolve no teu perfume. Nas tuas mãos, tão doces. No teu cabelo, tão rebelde. Esse teu espírito revoltado, mas tão bem integrado na natureza, impele-me desde que te conheço. Talvez me identifique com ele, talvez necessite dessa força. E tu sempre a tiveste. Mas agora é tarde. E tudo mudou, desde então. A fotografia de nós dois permanece, em modo sépia, guardado dentro daquela caixinha. E hoje, por acaso, reabri-a. Mas voltei a fechá-la... Meu amor.

Afonso Costa Arribança

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