quinta-feira, 31 de dezembro de 2015


"Apenas o que passou, ou mudou, ou desapareceu, nos revela a sua verdadeira natureza."
Cesare Pavese


    Estamos em Dezembro e chove lá fora. A lareira acesa e o copo de Porto Vintage aquecem-me os pensamentos que gelaram como um rio durante o Inverno. Recordo-me da tempestade que desabou lá fora durante os anos que antecederam este que hoje termina, e ainda consigo sentir o rasto da destruição que veio para ficar. Perguntei-me se todos nós viveremos um ou outro ano de indefinição, incoerência, de incógnita e total deriva... Não sei o que os outros vivem. Mas, suponho, todos procuramos algo em comum: a coerência; o que faz da nossa vivência um rio vivo de experiências com um princípio, meio e fim. Imaginar um rio que aparece do ar e desaparece a meio de uma serra, sem continuidade, parece-me ser pouco plausível. Mas foi, enfim, este o rio pelo qual fluíram os últimos 365 dias das minhas muitas desconcertadas existências.

    Pelo caminho, chorei a morte três vezes, derrubei convicções e certezas e senti, mais do que perceber, que não controlamos nada nem ninguém, nem que ser jovem nos garante a eternidade. Senti, cedo demais, a finitude das coisas e deixei-me levar pela dor que é senti-lo. Percebi, enfim, que chorar a morte não traz de volta quem amamos, mas leva-nos pra longe a morte que está dentro de nós, para que quem partiu possa regressar mais vivo ao nosso coração. Percebi que até na maior das incoerências podemos encontrar objectividade, porque até a soma de todas as cores, por mais absurdo que pareça, dará sempre branco. Não sei, confesso, quantas personagens vivi e não sei qual delas serei eu verdadeiramente. O que fui soa-me agora distante. O que fui ontem e o que sou hoje parecem-se sonhos diferentes. Mas percebi que é nas minhas muitas personagens que reside o verdadeiro eu. Nas memórias dos que partiram. Nas saudades que deles me dilaceram. Na alegria dos pequenos momentos vividos com a minha família e com os meus amigos. O resto é, de facto, treta.

Um feliz ano novo,

Afonso Arribança

Sem comentários: