sábado, 31 de maio de 2014


"A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente."
Soren Kierkergaard


    Foste, na diligência das minhas convicções, personagem principal da mais fervorosa apologia ao amor que alguma vez fiz ou farei na minha vida. És e sempre serás essa figura primária num conjunto de circunstâncias irrepetíveis, que tendo mais de mau que de bom, serão também inesquecíveis. De mim pudeste ter o corpo e a alma na apostasia da minha liberdade e da minha individualidade, numa conjuração dos meus sentimentos pelas minhas necessidades, privando-me delas por ti. Por nós.
    Hoje, depois dos anos que passaram, já não interessa se acreditas ou não em mim. A traição de confiança foi óbvia e nunca veio da minha parte, excepto no início do nosso relacionamento, pese embora os erros que reconheço ter consumado daí em diante. A realidade é que nenhuma atitude se justifica com os erros dos outros, daí que toda e qualquer atitude tua tenha valido por si mesma, enfuscando a tua personalidade com ódio, rancor e sentimentos que asfixiaram os nossos laços. Quando decidiste perdoar-me os erros do passado, julguei-te humanamente superior, como sempre te havia sentido. E jurei sentir a lealdade eterna da tua parte, tal deve ser a força do amor perante o ódio. Mas isso não aconteceu e tornaste-te cega perante a realidade, não reconhecendo nunca que foram os teus sentimentos que me tornaram a teus olhos uma sombra daquilo que já havia sido. Na ausência do real perdão, continuei eu também céptico em relação à realidade, julgando-me perdoado, julgando aquilo que nos unia ser superior a tudo. Foi quando caiu o pano e se mudou de acto que percebi ter-te perdido e bati de frente com a realidade. Já nada era como antes. Nem tu, nem eu. Tornámo-nos, então, arrendatários de um tempo e espaço destinados à morte, que não tardou em chegar, metamorfoseando a realidade e as nossas vidas.
    Hoje, um sem o outro, as coisas estão diferentes. Mas o lugar, que algures no espaço e no tempo outrora nos pertencia, está vago. E as memórias, eternos errantes da nossa história, perduram nesse lugar que tanto tem de encantado como de maléfico. São fantasmas que constituem e constituirão para sempre os alicerces de muito daquilo que somos e seremos. O passado não pode ser apagado, mesmo que o pano caia e a peça termine.

Afonso Arribança

1 comentário:

Anónimo disse...

LINDO... já tinha saudades de ler os teus textos *.* és uma pessoa muito especial, continua assim, nunca mudes.