sábado, 6 de abril de 2013


"Se algum dia me transformar em vento, seríeis capaz de me encarar como aquela essência indomável que a natureza quer junto de si, e me perdoar por me ter ido embora?"
Afonso Arribança


    Quiseram, ébrios, os deuses inventar a rotina. Indigesta e inoportuna, propaga-se mal fecheis, à vida, os teus olhos. Há, porém, doenças piores que a rotina. A mera existência torna-se a pior das doenças, na ausência perpétua do sentir e do viver. Existir é o que fazem as paredes, e eu, certamente, não sou uma delas. Procuro, sempre que possa, a fuga ao que se possa estar a tornar normal. O pretexto para sair porta de casa fora e sentar-me à beira rio ou à beira mar. Para ouvir o vento, as gaivotas, e as águas falarem comigo. Subterfúgios por entre ruas desconhecidas. Amizades novas. Músicas e ritmos diferentes. Novos ventos. E por vezes... Apenas, de tempos a tempos, o vento, na direcção que tem percorrido, despede-se, para anunciar a chegada de outros ventos e de novos sentidos. Como hoje, que veio bater à minha porta querendo falar comigo, na sua torcida e quase indecifrável linguagem. “Mudanças anunciam-se”, senti... E então... Revivi, naquele momento, resquícios de emoções atreladas à revivescência de memórias sépia de momentos tão efémeros quanto a fase da minha vida que agora se depõe. Eu sabia que este seria um ano de mudança, mas não pensei que viesse tão cedo. Na verdade... tudo me chama lá fora... E o meu corpo responde com o impulso de seguir as folhas levadas pelo vento. Quando fechei a janela e, de dentro, vi o vento percorrer as terras onde cresci, soube que virão aí boas novas.

Afonso Arribança

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