quarta-feira, 10 de outubro de 2012


"O homem é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda por cima do abismo."
Friedrich Nietzsche


     Por vezes quando pensamos que o mundo está todo errado, ou tudo contra nós, talvez devamos supor estarmos errados. Nesses momentos, olho para dentro de mim, como para dentro de uma casa através de janelas de vidro fosco. Vejo-me despir a couraça, que simultaneamente me protege e me crucifica, mas por trás dela haverá sempre outra. E outra. São pedaços espúrios da personalidade que exigem distância da consciência. E por isso, à medida que me vou despindo, entre as luzes que se apagam, torna-se exígua a capacidade de ver o que realmente estará dentro daquela casa. Eu? Pedaços de mim? Então eis que escurece e a paisagem morre com o resto. No escuro nada existe. Um pavor sonâmbulo gela-me o corpo, enquanto me estilhaço em pedaços por toda a desértica negridão do espaço envolvente, consequência derivada de toda esta profanação interna. ‘Não, não devias ter olhado outra vez para o abismo.’ Eis então que uma luz se acende e posso ver-me fora de mim: o que vejo nunca sei ao certo. Parecem ser várias almas minhas que se juntam na árdua tarefa de colar todos os pedacinhos espalhados pelo chão do quarto. Como se... passado, presente e futuro se unissem para reparar o estrago. Então percebi... que o abismo não deve ser nunca encarado de frente. Quando olhamos para ele, ele olha para nós.
     Afinal não era o mundo que estava errado.

Afonso Costa Arribança

2 comentários:

Anónimo disse...

O abismo deve ser sempre encarado de frente. Pois se estamos perante ele, é porque temos no nosso interior a força e a capacidade necessárias para o superar e assim crescer mais um pouco.

Gostei muito do teu texto.

Beijinhos

Anónimo disse...

Desculpa a invasão! Mas adoro as tuas fotos. Tens muito jeito! E quando vi fotos de Coimbra, deu-me bastantes saudades, captaste muito bem a "Cidade dos Estudantes".