domingo, 4 de dezembro de 2011


"A origem de toda a angústia é a de ter perdido o contato com a verdade."
Vilhelm Ekelund


    Deleitava-me da tragédia sob a chuva que tombava, órfã, no negro chão alcatroado da estrada onde me perdi. A última vez que me vi assemelhava-me à dualidade berrante de um retrato barroco do Renascimento - a apoteose, a decadência, a melancolia e, por fim, a derrota, a fatalidade - em que as cartas e os poemas voavam, queimados em cinzas, pelas correntes de ar, tal esquife negro sobre o oceano. Nesse momento não sei porque chorei. Só sei que desapareci na exuberância de uma melancolia que cantava arritmicamente enquanto a trovoada conferia intensidade à cena e a chuva tombava abraçada sobre o chão. E foi assim que me despedi de mim no meio daquela estrada, antes de desaparecer no nevoeiro à minha frente.

Afonso Costa

2 comentários:

Ana Lee disse...

É engraçado como a subtileza das palavras transforma fragmentos desfeitos de nós, e os redefine com destreza em projecções tão intensas e belas como os teus textos. Gosto desta leveza e jogo de palavras, que te condensa e ao mesmo tempo liberta. Continua, é sem dúvida um cantinho que dá gosto visitar ;)

Jane disse...

é tão bom ler o que escreves *.*