sexta-feira, 2 de dezembro de 2011


"A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo. (...)
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali."
Álvaro de Campos


    Aqui estamos nós, neste épico cenário de almas em repouso, cada um de mãos dadas com a sua própria tragédia - a nossa única verdadeira companhia, invisível a todo e qualquer momento, mas tão presente. É orgásmica a sensação de descobri-la de mãos dadas comigo hoje. Tantos calendários passados, tantas milhares de voltas dos ponteiros do relógio sobre os mesmos números, tanto tempo semicerrado na ilusão côncava de viver na sinceridade, nos bons valores e na ideia de que o amor tudo vence. Hoje, à beira do precipício, dei por mim de mãos dadas com a catástrofe que é a minha existência, a tua, a do próprio ser humano, confinado ao eterno caos do seu mundo psíquico. Se o mundo e a virtude ainda subsistem não será graças ao amor e à amizade, mas à ambição de manter a ilusão. Morremos no momento em que percebemos que afinal já sabíamos há muito tempo que o mundo não nos ama, nem nós, nem o destino. É isso que diz a noite lá fora às estrelas enquanto a lua dorme abraçada ao vazio cenário da minha vida. Só os ponteiros do relógio continuam, entretanto, a percorrer o seu caminho pois eu parei debruçado sobre a fatalidade que abafa tudo à volta. Eis que nada existe, nem ninguém, nem eu, só a dor. E a sensação. Aquela de nem sequer ser pequeno, mas inexistente.

Afonso Costa

1 comentário:

Moonlight disse...

Afonso,

Por vezes encontro aqui palavras que encaixam em mim na prefeiçaõ.
Não tenho o dom de conseguir-me exprimir assim...com tanta clareza de sentires.
Simplesmente fabuloso!

Bj cheio de luar