sábado, 9 de julho de 2011


"O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca, e é preciso andar muito para se alcançar o que está perto."
José Saramago


     Depois que saíste por aquela porta, experimentei por bravia consequência a mais amarga sensação à face da terra, a de perder o sentido da vida, enquanto lá fora a noite chorava o insidioso reflexo da vacuidade, numa sofreguidão que abraçava a fugidia esperança de te reencontrar. Olhei para a janela que se erguia por cima do meu corpo nu deitado no chão e tentei estender uma das mãos, amarradas por uma espécie de cordas que havias atado com toda a tua força antes de pegares na mochila, nos teus pertences e de te pores a andar. As mãos estavam ensanguentadas e não me permitiam sentir senão dor quando das cordas me consegui libertar. Ainda tinha os pulsos a arder quando lentamente me levantei e me dirigi à porta de casa.
     A noite confessava a tragédia ao vento, num contrato de conjuração que anunciava a minha morte. E a lua apunhalava-me com um enigmático brilho que insidia sobre os meus irresolutos pensamentos sobre ti. Sobre a tua partida. Numa concepção maniqueísta pude sublevar-me, entre a inutilidade e a cólera, contra o destino numa subtil idiossincrasia que me levou a procurar-te por este mundo fora. Procurei-te por todos os países, por todos os oceanos, rios, vales e montes e acabei por perceber que haveria de estar escrito algures no vento, para que não pudesse ver ou saber, que haverias de nunca voltar a aparecer-me à frente. Acabei por aceitar, consciente da exiguidade da minha alma e da limitação com que se me presenteava a tentativa de escrever a minha própria história.
     Num ápice, rasgar-se-ia, a expressão altiva de quem espera, dando lugar a uma vacuidade de pensamentos que só seria imiscuída pela impressão de espanto que me causaria o etéreo abraço de uma presença desconhecida que, prontamente, me oferecia o seu conforto e o seu carinho. Reinava, naquela rua deserta e em mim aquela sensação de despudor, de inconsequente sublevação de um conforto inexplicável que percorria a minha cara e o meu pescoço enquanto os seus lábios desenhavam na minha pele o inebriante arrepio de uma solidão que se desvanecia num ápice. Os corpos abraçavam-se debaixo do consentimento da lua cheia, numa venérea troca de carícias que culminaria no mais sublime e etéreo acto entre dois seres humanos, num toque entre lábios que rasgava as dúvidas e as inseguranças, que desvanecia e embevecia, por fim, a alma da certeza de te ter encontrado naquela noite. Perdi-me, assim, numa noite sem fim, numa inexequível procura sem destino, para me reencontrar em ti.

Afonso Costa

6 comentários:

Anónimo disse...

Que encanto este conjunto de palavras, só de se ler a frase de jose saramago ja se fica deliciada fora com o texto em si . Gostei muito afonso , parabens :D

Beijinho *

Lipincot Surley disse...

Não percebi se depois de tanta viagem de procura ela vai terminar? Foram reencontrados na pessoa desconhecida os mesmos sentimentos de bem estar ou encontraste mais esperança de continuar à procura?
Como é Afonso? Pára-se de procurar ou continua-se?

parabéns, está brutal o texto, gostei mesmo :)

qel disse...

"Os corpos abraçavam-se debaixo do consentimento da lua cheia, numa venérea troca de carícias que culminaria no mais sublime e etéreo acto entre dois seres humanos, num toque entre lábios que rasgava as dúvidas e as inseguranças, que desvanecia e embevecia, por fim, a alma da certeza de te ter encontrado naquela noite. Perdi-me, assim, numa noite sem fim, numa inexequível procura sem destino, para me reencontrar em ti
"
.

gostava de ter a tua elegância com as palavras, o critério que usas na escolha dos vocábulos. apaixonante, afonso.

Anónimo disse...

Lindo!

Tens um selo no meu blog.

Beijinhos

kirah disse...

Que texto delicado, dorido, sublime...
Quantas vezes lançamos o olhar ao longe sem perceber que o que procuramos sempre esteve ao nosso lado...clichê sim, mas não deixa de ser verdade!

bjus da kirah^^

Drii disse...

True!