"O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca,
e é preciso andar muito para se alcançar o que está perto."
José Saramago
Depois que saíste por aquela porta, experimentei por bravia consequência a mais amarga sensação à face da terra, a de perder o sentido da vida, enquanto lá fora a noite chorava o insidioso reflexo da vacuidade, numa sofreguidão que abraçava a fugidia esperança de te reencontrar. Olhei para a janela que se erguia por cima do meu corpo nu deitado no chão e tentei estender uma das mãos, amarradas por uma espécie de cordas que havias atado com toda a tua força antes de pegares na mochila, nos teus pertences e de te pores a andar. As mãos estavam ensanguentadas e não me permitiam sentir senão dor quando das cordas me consegui libertar. Ainda tinha os pulsos a arder quando lentamente me levantei e me dirigi à porta de casa.
A noite confessava a tragédia ao vento, num contrato de conjuração que anunciava a minha morte. E a lua apunhalava-me com um enigmático brilho que insidia sobre os meus irresolutos pensamentos sobre ti. Sobre a tua partida. Numa concepção maniqueísta pude sublevar-me, entre a inutilidade e a cólera, contra o destino numa subtil idiossincrasia que me levou a procurar-te por este mundo fora. Procurei-te por todos os países, por todos os oceanos, rios, vales e montes e acabei por perceber que haveria de estar escrito algures no vento, para que não pudesse ver ou saber, que haverias de nunca voltar a aparecer-me à frente. Acabei por aceitar, consciente da exiguidade da minha alma e da limitação com que se me presenteava a tentativa de escrever a minha própria história.
Num ápice, rasgar-se-ia, a expressão altiva de quem espera, dando lugar a uma vacuidade de pensamentos que só seria imiscuída pela impressão de espanto que me causaria o etéreo abraço de uma presença desconhecida que, prontamente, me oferecia o seu conforto e o seu carinho. Reinava, naquela rua deserta e em mim aquela sensação de despudor, de inconsequente sublevação de um conforto inexplicável que percorria a minha cara e o meu pescoço enquanto os seus lábios desenhavam na minha pele o inebriante arrepio de uma solidão que se desvanecia num ápice. Os corpos abraçavam-se debaixo do consentimento da lua cheia, numa venérea troca de carícias que culminaria no mais sublime e etéreo acto entre dois seres humanos, num toque entre lábios que rasgava as dúvidas e as inseguranças, que desvanecia e embevecia, por fim, a alma da certeza de te ter encontrado naquela noite. Perdi-me, assim, numa noite sem fim, numa inexequível procura sem destino, para me reencontrar em ti.
Afonso Costa
6 comentários:
Que encanto este conjunto de palavras, só de se ler a frase de jose saramago ja se fica deliciada fora com o texto em si . Gostei muito afonso , parabens :D
Beijinho *
Não percebi se depois de tanta viagem de procura ela vai terminar? Foram reencontrados na pessoa desconhecida os mesmos sentimentos de bem estar ou encontraste mais esperança de continuar à procura?
Como é Afonso? Pára-se de procurar ou continua-se?
parabéns, está brutal o texto, gostei mesmo :)
"Os corpos abraçavam-se debaixo do consentimento da lua cheia, numa venérea troca de carícias que culminaria no mais sublime e etéreo acto entre dois seres humanos, num toque entre lábios que rasgava as dúvidas e as inseguranças, que desvanecia e embevecia, por fim, a alma da certeza de te ter encontrado naquela noite. Perdi-me, assim, numa noite sem fim, numa inexequível procura sem destino, para me reencontrar em ti
".
gostava de ter a tua elegância com as palavras, o critério que usas na escolha dos vocábulos. apaixonante, afonso.
Lindo!
Tens um selo no meu blog.
Beijinhos
Que texto delicado, dorido, sublime...
Quantas vezes lançamos o olhar ao longe sem perceber que o que procuramos sempre esteve ao nosso lado...clichê sim, mas não deixa de ser verdade!
bjus da kirah^^
True!
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