segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


"Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?"
Álvaro de Campos

    Lembro-me de ouvir os teus dedos delicados dançar nas teclas do velho piano que temos cá em casa. Recordo-me tão bem de como deslizavam... Tão suavemente, meu Deus, que chegavam a criar a devassa perfeição que deveras sentia naquele momento. O teu corpo inspirava e criava-se ao sabor do teu intelecto na proficiência de saber ser feliz. Ou talvez não soubesses. Mas era-lo, pelo menos, e isso não o negavas.
    Mas hoje és, nada mais, nada menos, que a minha sombra, deleita da morte intelectual, mero complexo existencial provecto em busca de um merecido fim. Sentado a meu lado, observas a negridão do meu olhar e esperas que ceda à tragédia que me constrói e eu espero o mesmo de ti. Porquanto me debruço sobre o abismo da minha existência e tu sobre as personagens de quem me aleitei e ousei desenhar e apagar ao longo daquela longa avenida que percorri durante esta curta vida. Abdicados do destino, fitamos infinitamente os dois, numa única existência, o pôr do sol como o fim da tragédia que foi o nosso nascimento. Por enquanto, num plano meramente metafísico somos êxtase literário, ou não somos nada e talvez nunca tenhamos existido.

Afonso Costa

20 comentários:

Anónimo disse...

Já tinha saudades das tuas palavras transformadas primeiro em frases dando origem a um belo e profundo texto , cada palavra é sentida e tocada no coração de alguém.

Beijinho *

Anónimo disse...

Gostei. A foto está linda!

Beijinhos

qel disse...

este é daqueles de uma nostalgia profunda, bem camuflada. inquietante. *

Mara disse...

A inspiração tem-me faltado mas sempre que cá venho encontro-me um bocadinho. E, claro, as tuas imagens ajudam à minha calma.

um beijinho*

Daniela. disse...

Obrigado, Afonso! :)
«Porquanto me debruço sobre o abismo da minha existência e tu sobre as personagens de quem me aleitei e ousei desenhar e apagar ao longo daquela longa avenida que percorri durante esta curta vida.» amei mil vezes.

Say Cheese disse...

É que é mesmo !
Não tens de agradecer, obrigada eu :)
beijinho*

Anónimo disse...

Obrigada Afonso *

paula disse...

Sim, felizmente ou infelizmente essa inocência pertence ás crianças e ás pessoas apaixonadas. É preciso é saber deixar-nos apaixonar por aquilo que nos envolve e ainda que por escassos segundos conseguir apaixonar-me por aquele sorriso, aquela imagem, aquelas coisas que nos envolvem sem tocar e sabe tão bem adormecer com elas num silêncio profundo, sereno e não ensurdecedor. Por vezes sou feliz assim só comigo. A perder-me com escritas entrelaçadas a expressividade que sabem como café numa esplanada ao fim da tarde. (:

Joana disse...

muito obrigada afonso.
adorei este texto, mesmo ♥

Por entre o luar disse...

.."Talvez nunca tenhamos existido"

Existiram , mas hoje o significado disso talvez esse sim seja inexistente !

Gostei muito =P

Beijoquinha *

Beatriz disse...

Adorei, está lindo como sempre, espero um dia conseguir escrever tão bem como tu.
Obrigado pelo comentário no meu blog!
Concordo contigo, nunca acreditei que nos pudesse-mos apaixonar por alguém que não conhecemos, mas podemos sentir que uma pessoa terá um papel importante na nossa vida, apenas através uma troca de olhares...
Bji :)

Anónimo disse...

Isso são coisas que acontecem vezes demais, mas temos de tomar decisões tanto corram bem ou mal * beijo

AF disse...

As tuas palavras são sempre fabulosas ;)
Beijinho.

nnie disse...

?

LEAH disse...

gostei imenso das fotografias e dos textos :) estou a seguir *.*

nés, disse...

ai afonso, se ao menos houvessem mais rapazes como tu.
escreves terrivelmente bem, não sei se já to tinha dito.

Anónimo disse...

Há textos com os quais apetece dialogar, mesmo que as palavras não consigam ultrapassar a fronteira dos monólogos.

Foi o que me sucedeu após ter lido o teu texto. Espero que não te importes por partilhar aqui o que ele me sugeriu.

...

No canto menos óbvio do silêncio, onde os gestos se projectam na transparência da memória, hesitando entre as metáforas e o insensato ofício dos relógios, deixei que os meus olhos se detivessem na incoerente perfeição de um dia que mergulhava no horizonte.

Era agosto - lembro-me bem - e as tuas palavras multiplicavam-se pelas inflexíveis arestas de uma utopia desenhada à luz do crepúsculo, sublinhada pela melancolia daquele mesmo piano que, outrora, havia sido o pretexto para um sorriso. Uma das poucas vezes em que os sonhos me pareceram inevitavelmente reais.

Não foi mais do que um instante muito breve. O sopro da brisa na periferia das dunas, onde as gaivotas se refugiam até que a madrugada lhes devolva o infinito.

Pés de bailarina disse...

O para sempre não é mais que um conforto que nós tentamos ter sempre por perto, como que uma força. E dói quando percebemos que ele nunca vai existir.

Um beijinho enorme Afonso*

Teuvo Vehkalahti disse...

Tervehdys Suomesta. Näin blogin välityksellä on kiva tutustua muiden maiden ihmisiin, kulttuuriin ja luontoon. Tule sinäkin katsomaan Teuvon kuvat blogi ja kerro myös kaikille sinun kavereillesi miksi kannattaa käydä katsomassa Teuvon kuvat blogi. Siksi että saadaan teidän maanne lippu nousemaan korkeammalle minun blogissa. Oikein hyvää alkanutta 2011 vuotta. Teuvo Vehkalahti Finland

Jane disse...

bom demais.
os meus olhos encheram-se de agua.