"Quanta tristeza há nesta vida, só incerteza, só despedida..."
Vinícius de Moraes
Sentado na areia, ia enroscando os pés na areia, abraçando-lhe de alma os grãos ainda molhados pela água do mar. Vi-me hoje ao meu lado, embora talvez desde que nasci que tenha estado, e agradeci a mim mesmo por isso. Era eu, comigo mesmo, sentado lado a lado, e naquele momento senti uma enorme vontade de falar comigo. «Tenho algum medo, ao qual não consigo reagir, como se eu fosse um boneco da vida e do tempo, preso às amarras da própria vida que vai avançando como se não houvesse amanhã, a uma velocidade bíblica que já não mais, nem mentalmente, consigo parar. O tempo não pára e a vida avança assustadoramente rápido ante a indeclinável sucessão de acontecimentos que vão mudando esta história e até a personagem principal… É estranho, pois o que é estranho é aquilo que não conhecemos, e eu chego à apavorante conclusão de que não conheço o que temo.» Ao mesmo tempo que falava comigo mesmo, sentou-se um outro eu do meu lado esquerdo, ao qual se seguiu outro. «Tenho medo…» Não paro de lhes repetir. «Porque é que vocês existem? Não vos quero ver, estou cansado.» E estava, de facto, cansado de ver, de pensar, de sentir, estava esgotado, e nada mais estava à medida da minha corpolência cansada que ainda hoje cede, por vezes, à veloz e incansável viagem sem regresso do tempo. E eu digo-lhes, dia após dia, que tenho medo, e a sensação de impotência apodera-se. Renasço a cada momento, como se a minha vida tivesse em cada lugar, em cada pessoa e em cada momento uma fonte que jorra de repente, involuntariamente e sem que eu espere, constantemente com o mesmo ímpeto do início. Tudo recomeça, e por vezes não me encontro. Pois quando tudo muda, constantemente, o sentido das coisas tende a fugir, e o meu reflexo no espelho também. Às vezes demora a voltar...
Afonso Costa
7 comentários:
Adoro a sua forma de escrever.
Quantas vezes vejo os meus medos a atormentarem a minha pessoa, o meu ser, aquilo que sou. Atormentam e quando eu penso que os enfrentei que ja nao existem eles fazem questao de me relembrar que estao so adormecidos.
'Pois quando tudo muda, constantemente, o sentido das coisas tende a fugir, e o meu reflexo no espelho também. Às vezes demora a voltar...'
Quanta verdade existe nessa expressao. As mudanças nao sao so aos nossos olhos tambem sao dentro de nos e por vezes me olho no espelho e me sinto deslocada de mim mesma. (:
Uma escrita única, muito agradável de ler :)
Já cá não venho comentar hà algum tempo, mas quero que saibas que te leio sempre.
Seria pecado não o fazer ;)
Porque és tão parecido comigoo =`)
Amei Afonso.. e sabes.. tenho o mesmo medo*
Beijito*
todos temos medo e este texto está incrivel
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