Sentado à lareira
4:00 am
Lá fora já começou a chover. O vento traz o cheiro da chuva que vai caindo lentamente com as folhas que se prostram pelo chão. O frio, tão inevitável nesta altura do ano, corta a pele à medida que o vento aumenta a sua intensidade, e o céu, pintado de preto, vai molhando a terra aos poucos, libertando aquele odor a terra húmida. O cenário torna-se pouco visível enquanto as nuvens, grávidas de água, não libertarem todo o seu excesso. O ar, húmido, traz-me recordações de infância, como quando saía de casa com a minha mãe para ir à garagem buscar lenha para acender a lareira - e como são quentes estas recordações. Ou quando passava um fim-de-semana em casa da minha avó, em frente à lareira, sentado em cima de uma manta no chão, comendo castanhas e vendo televisão - esperando que os meus pais me viessem buscar...
Lá fora já chegou o frio. Naquele lago, vi as gotas da chuva criarem pequenos círculos que pouco a pouco foram captando a minha atenção. Quando voltei pra casa, pensei nos círculos que havia visto. Que patetice pensar em tal coisa... Mas acabei por me por a pensar que por mais pequena que seja a gota, o círculo criado vai sempre aumentando de dimensão, até que colapsa e desaparece. Pensei o quanto queria que muitos desses pequenos círculos pudessem aumentar sempre e sempre, até nunca desaparecer. Felizmente ou infelizmente, tudo acaba por dar lugar a novas realidades, e novos círculos serão formados por novas gotas de chuva. Dizia o outro que '(...) nada se cria, nada se perde, tudo se transforma'. Talvez tudo isto seja mesmo uma questão de transformação. E, neste momento, a recém-chegada estação abriu-me a porta para uma bela transformação... a todos os níveis!
Lá fora continua a chover... A água 'cai a potes', como se todos os cântaros divinos tivessem sido partidos, e a trovoada acaba por se confundir com o 'toc toc toc' de alguém que bate à porta. Vou ver quem é, abro a porta e, vendo que és tu, deixo-te entrar, de sorriso desenhado na cara. Entraste sem fechar a porta à chave - foi a condição - e sentaste-te em frente ao lume. Aproveitei para acender as velas e me sentar também em frente à lareira, bem do teu lado. Penso agora que eras tão-somente uma estrela, bem longínqua, que iluminava, do meu céu, as mais recentes páginas da minha vida. Entraste, porém, pela porta e eu fechei-a, ainda que sem chave. Começo agora a gostar seriamente da tua companhia, e a fogueira que acendi na lareira ateou bem após a tua entrada. O gato cumprimentou-te e o ambiente aquietou. Mas o silêncio mantém-se...
Lá fora chove, torrencialmente, pra falar a verdade. O relógio bate as 4 badaladas e as gotas de chuva continuam a cair, pelo que o seu som é abafado pelas janelas embaciadas pelo calor da casa. Cá dentro apenas se ouve a lenha a arder, e a caruma a estalar. Olho-te nos olhos - estás tão próxima - e aconchego-me a ti. Definitivamente a tua companhia agrada-me, torna-se vício tal e qual o chocolate quente que te ofereço. Abraço-te e... peço-te pra ficares. Ficas mesmo?
Afonso Costa
13 comentários:
Este texto está fascinante!!! e esta musica é perfeita! é a do filme a minha namorada é louca..que para mim é dos melhores romances de sempre do cinema! adoro!
Miguel
Eu adorei o filme também (já agora: surpreendeu-me porque eu achava que era mais uma comédia romântica repetitiva...)
Afonso, não feches já a porta à chave - deixa que a companhia fique por sua vontade e espero que ela te faça sentir tão bem quanto andas a merecer. Bom texto :)
Aconchegante, Afonso*
É assim que este me parece :)
Gosto muito da poesia que inscreves na realidade das coisas.
abraço
Sem dúvida um texto carregado de sentimento, está belíssimo. Os meus parabéns.
Cumps.
está lindo Afonso +.+
Eu acho que tu cada vez que eu passo pelo teu "cantinho" escreves melhor.
:)
E a chuva não pára de cair.
tanta perfeição :)
"Olho-te nos olhos - estás tão próxima - e aconchego-me a ti. Definitivamente a tua companhia agrada-me, torna-se vício tal e qual o chocolate quente que te ofereço. Abraço-te e... peço-te pra ficares. Ficas mesmo?"
beijinho Afonso <3
Mais um teto replecto de sentimento.
Obrigada Afonso, espero que tenhas razão. (:
Escreves tão bem, querido *-*
Tu vais? *w*
incontrolável é a palavra certa.
também te vou seguir, gostei muito do teu blog e do teu texto ainda mais *
Oh, quem me dera.
Seria bom demais para ser verdade..
E divertido? Não acho que essa palavra seja adequada para tal, dude.
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