quinta-feira, 26 de novembro de 2009


Sentado à lareira



   4:00 am
   Lá fora já começou a chover. O vento traz o cheiro da chuva que vai caindo lentamente com as folhas que se prostram pelo chão. O frio, tão inevitável nesta altura do ano, corta a pele à medida que o vento aumenta a sua intensidade, e o céu, pintado de preto, vai molhando a terra aos poucos, libertando aquele odor a terra húmida. O cenário torna-se pouco visível enquanto as nuvens, grávidas de água, não libertarem todo o seu excesso. O ar, húmido, traz-me recordações de infância, como quando saía de casa com a minha mãe para ir à garagem buscar lenha para acender a lareira - e como são quentes estas recordações. Ou quando passava um fim-de-semana em casa da minha avó, em frente à lareira, sentado em cima de uma manta no chão, comendo castanhas e vendo televisão - esperando que os meus pais me viessem buscar...
   Lá fora já chegou o frio. Naquele lago, vi as gotas da chuva criarem pequenos círculos que pouco a pouco foram captando a minha atenção. Quando voltei pra casa, pensei nos círculos que havia visto. Que patetice pensar em tal coisa... Mas acabei por me por a pensar que por mais pequena que seja a gota, o círculo criado vai sempre aumentando de dimensão, até que colapsa e desaparece. Pensei o quanto queria que muitos desses pequenos círculos pudessem aumentar sempre e sempre, até nunca desaparecer. Felizmente ou infelizmente, tudo acaba por dar lugar a novas realidades, e novos círculos serão formados por novas gotas de chuva. Dizia o outro que '(...) nada se cria, nada se perde, tudo se transforma'. Talvez tudo isto seja mesmo uma questão de transformação. E, neste momento, a recém-chegada estação abriu-me a porta para uma bela transformação... a todos os níveis!
   Lá fora continua a chover... A água 'cai a potes', como se todos os cântaros divinos tivessem sido partidos, e a trovoada acaba por se confundir com o 'toc toc toc' de alguém que bate à porta. Vou ver quem é, abro a porta e, vendo que és tu, deixo-te entrar, de sorriso desenhado na cara. Entraste sem fechar a porta à chave - foi a condição - e sentaste-te em frente ao lume. Aproveitei para acender as velas e me sentar também em frente à lareira, bem do teu lado. Penso agora que eras tão-somente uma estrela, bem longínqua, que iluminava, do meu céu, as mais recentes páginas da minha vida. Entraste, porém, pela porta e eu fechei-a, ainda que sem chave. Começo agora a gostar seriamente da tua companhia, e a fogueira que acendi na lareira ateou bem após a tua entrada. O gato cumprimentou-te e o ambiente aquietou. Mas o silêncio mantém-se...
   Lá fora chove, torrencialmente, pra falar a verdade. O relógio bate as 4 badaladas e as gotas de chuva continuam a cair, pelo que o seu som é abafado pelas janelas embaciadas pelo calor da casa.  Cá dentro apenas se ouve a lenha a arder, e a caruma a estalar. Olho-te nos olhos - estás tão próxima - e aconchego-me a ti. Definitivamente a tua companhia agrada-me, torna-se vício tal e qual o chocolate quente que te ofereço. Abraço-te e... peço-te pra ficares. Ficas mesmo?

Afonso Costa

13 comentários:

Anónimo disse...

Este texto está fascinante!!! e esta musica é perfeita! é a do filme a minha namorada é louca..que para mim é dos melhores romances de sempre do cinema! adoro!

Miguel

R. Branco disse...

Eu adorei o filme também (já agora: surpreendeu-me porque eu achava que era mais uma comédia romântica repetitiva...)
Afonso, não feches já a porta à chave - deixa que a companhia fique por sua vontade e espero que ela te faça sentir tão bem quanto andas a merecer. Bom texto :)

Mara disse...

Aconchegante, Afonso*
É assim que este me parece :)

Daniel C.da Silva disse...

Gosto muito da poesia que inscreves na realidade das coisas.

abraço

Anónimo disse...

Sem dúvida um texto carregado de sentimento, está belíssimo. Os meus parabéns.
Cumps.

Anónimo disse...

está lindo Afonso +.+

A Coração disse...

Eu acho que tu cada vez que eu passo pelo teu "cantinho" escreves melhor.


:)
E a chuva não pára de cair.

Inês disse...

tanta perfeição :)

"Olho-te nos olhos - estás tão próxima - e aconchego-me a ti. Definitivamente a tua companhia agrada-me, torna-se vício tal e qual o chocolate quente que te ofereço. Abraço-te e... peço-te pra ficares. Ficas mesmo?"

beijinho Afonso <3

P' disse...

Mais um teto replecto de sentimento.

Carolina disse...

Obrigada Afonso, espero que tenhas razão. (:
Escreves tão bem, querido *-*

Dianne disse...

Tu vais? *w*

Inês Sousa disse...

incontrolável é a palavra certa.
também te vou seguir, gostei muito do teu blog e do teu texto ainda mais *

Dianne disse...

Oh, quem me dera.
Seria bom demais para ser verdade..

E divertido? Não acho que essa palavra seja adequada para tal, dude.