sábado, 19 de agosto de 2017


"Toda a reforma interior e toda a mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço."
Immanuel Kant



    Houve tempos em que nada compreendia. Debaixo da sóbria capa que cobria um corpo em permanente e arrítmica tempestade, podia o meu ingénuo olhar apenas enxergar no espelho uma baça e desfigurada personagem sem rumo. Vivia em ânsia, intensa, violenta, exaltada de ser e ter mais, preso num corpo doente e atormentado por saudades daquilo que não era e não viria a ser.
    "Escrever é esquecer", dizia Pessoa. E eu escrevia porque não há nada mais belo na arte do que a que é feita com lágrimas. Há uma beleza na tristeza que, pese embora a sua conotação negativa, se assemelha em muito à beleza que um místico e romântico dia enevoado também pode ter. Escrevia para esquecer, para poder ver no meu mundo sombrio a promessa de alguma beleza, escrevia também porque sim e porque tinha de ser.
    Não obstante, os ventos mudaram e as deficientes promessas deixaram de ser suficientes, levando esse meu corpo a mergulhar na tempestade que nele próprio se rompia. E a minha vida acabava de mudar.

    Hoje em dia, salvo raras excepções a que abranjo esta nota, não escrevo. Não escrevo porque sou feliz, porque a felicidade é bonita fora da arte e das palavras, e porque deve ser vivida e não pensada.
    "A vida mais doce é não pensar em nada.", disse Nietzsche. E eu não penso, porque aquilo que a vida me traz de inequivocamente bom, não deve ser pensado, mas tão somente vivido, absorvido e transformado em energia que nos dá fôlego para procurar a contínua elevação da alma. Da nobreza dessa forma de existir sobreleva-se a família - pilar central do meu sorriso -, os amigos - base de segurança e integração - e aquilo que em mim não mudou - a sede de aventura, e movimento e necessidade de ritmo constante.
    A possibilidade de viver com quem queres, onde queres, quando queres e fazer aquilo de que mais gostas no tempo e lugares certos, com toda a subjectividade e singularidade que nesta conjectura se lhe associa, firma-se como elemento medular da felicidade e da razão de bem existir. Na base de tudo isto ficou o esforço e a dedicação que depositei em mim como arquitecto de um projecto que o quero em contínua expansão. Para trás de tudo isto, o passado que existiu. Tão somente existiu.

'Suae quisque fortuna faber est.'

Afonso Arribança

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