quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão."
Carlos Drummond de Andrade


    Tantas vezes tropeço, na solitária caminhada entre pontos desnorteados, em pensamentos e reflexões que emergem à mente consciente. O simples acto de caminhar, ainda que rodeado pela realidade, mas absorto dela, excita a mente pensante, estimula a memória, enquanto se vai percorrendo caminhos e ruas, incitando-a a redesenhar situações, a alterar a história ou, simplesmente, a revivê-la. Se por música te fizeres acompanhar, será então despertada a emoção. Entregas-te a ela até que te pegue pelos colarinhos e leve para um outro mundo. Uma realidade em que tudo o que está à tua volta permanece, acrescentando-se apenas – não sendo pouco – as personagens em palco. A tua vida faz-se peça e, por momentos, parece que toda aquela gente está a assistir a momentos particularmente comoventes das tuas vivências. Sem mais nada a acrescentar, o tempo parece parar e a peça decorre naturalmente... É então que conferes toda uma intensidade ao passado que quase te faz transformar em lágrimas derramadas sobre as pedras da calçada. Recordas, assim, os olhares, os abraços e os sorrisos. Todos aqueles momentos que ela já não se lembra. Ela, aliás, não tem noção do quão eternos são aqueles fragmentos de memória, nem tinha noção do quão se perpetuaria aquele abraço e o pormenor da hora e da intensidade da luz daquele preciso local, nem o sabor do beijo e, possivelmente, nem das palavras que foram ditas naquele momento. Não se lembrará, por certo, da intensidade que teve uma “desculpa” no contexto de uma discussão, nem do cliché, porém não trivializado, “amo-te” que é dito depois. Também não terá a noção de que, anos depois, ainda que o amor tenha perecido pelo caminho, a intensidade com que te relembrarás dos momentos, em dada altura, em determinado lugar, será sempre a mesma. O amor não é tudo. Assim como a concha que um dia terás apanhado à beira-mar não mais pertence ao mar – e talvez nunca lhe tenha pertencido –, mas a ele estará eternamente ligada... O amor não é tudo. A vida, mais do que de amor, existe por e com memórias.

Afonso Arribança

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