sábado, 24 de novembro de 2012


"A escrita é o erotismo do intelecto. A poesia é o erotismo da alma."
L. S. Dias


    Destrinçava, entre a balbúrdia de sons e luzes daquele bar, murmúrios de gente feliz e risonha. Por entre gente feia e primitivamente desinteressante, estavas tu. Sempre gostei de quem cuida de si e detesto aborrecidas dissertações sobre a importância (quase urgente necessidade) da beleza interior. Importa, claro. Mas só a limitação espiritual e artística é que priva as pessoas de poder contemplar as duas dimensões da beleza. E tu, uma delas certamente que tinhas. Fisguei-te os lábios assim que ali entrei, ainda as circunstâncias não me tinham permitido afundar no abismo azulado do teu olhar e ouvir os brados de sensualidade do teu corpo. Então, quando nessa noite te despiste à frente dos meus olhos, pude ser brindado com o prazer de te ver desnudar da máscara que usavas naquele bar, possivelmente na rua, no teu trabalho ou em casa com a tua família e com os teus amigos... Todo o teatro em teu redor, essa acentuada boa educação, essa inocente aura que nos embrenha e nos obriga a despi-la, concluíram efectivamente a sua função, pois a puta que tens em ti passa completamente despercebida. Ousassem outros saber como usas as tuas mãos quando tocas no corpo de um homem. Inexorável. Fervente. Brutalmente sensual. Sabes como render-te ao prazer, sem encarar os limites deste, sem pudor, sem vergonha, sem vestes. E assim os manténs magnetizados, qual tropa a obedecer, como naquela noite, naquela batalha de sedução em que os teus olhos se cruzavam com os meus, os meus lábios tardavam, os teus apelavam. Num xadrez em que não há vencedores nem vencidos, cavalos nem peões, nem sequer um qualquer encontro entre um rei e uma dama. Mas foste minha, naquele chão, naquela noite, por uma hora, em que os teus lábios se fixavam aos meus, gritando em silêncio a pretensa permissão para te despir desse composto formalismo, numa balbúrdia de estímulos básicos. Transpiravas desejo de submissão alternado com vorazes anseios de posse. Cravavas as unhas no meu peito, podia sentir a animalesca e tão sincera natureza de que somos feitos. E ali nos inebriámos, longe da realidade. Até à catarse, à libertação da alma, numa sucessão de contínuas investidas, sincronizadas com o teu corpo. E o meu corpo. Ambos. Assim estava eu, possuindo-te no seio do animalesco humano, entrecortado por rápidas exclamativas e audíveis inspirações. Vagabundeava as mãos pelo que é teu, pelas texturas despidas, pela suavidade nua, pela fervorosa humidade. Vagueava a língua, discreta e secretamente, pelo que não é meu, e tampouco teu. E fascinava-me, corrompido, na confluência do demagógico processo de conquista com o realismo cru do acto de foder.
    Máscaras no chão, roupas rasgadas, pecado consumado. Terminei aquela noite na consumação dum vício. Dum só. Sensitivo, ofegante, carnal. Orgasmo. E catarse. Tão viciante. Não tu, mas este.


Uma colaboração entre:
Afonso Arribança e João de Lalanda Frazão

6 comentários:

Renata disse...

Adoro o teu blog, gostava de seguir, mas nao consigo :s

daniel seabra disse...

«amor é prosa, sexo é poesia» arnaldo jabor

Maria disse...

olá afonso! :)

deixei-te um selo no meu blog:
http://mundodemaria.blogspot.pt/2012/12/selo-campanha-de-incentivo-leitura.html

beijinhos! *

sofs disse...

Alterei o link do meu blog. Se puderes, visita-o e dá-me a tua opinião!
http://demim-paranos.blogspot.com
beijinhos! :)

sofs disse...

Alterei o link do meu blog. Se puderes, visita-o e dá-me a tua opinião!
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beijinhos! :)

L. S. Dias disse...

Já não me recordava mais dessa frase minha...
Que texto maravilhoso!