quarta-feira, 1 de agosto de 2012


"Nunca é tão fácil perder-se como quando se julga conhecer o caminho."
Provérbio Chinês


    A interpretação racional da realidade é quase sempre a insipiência da vulgaridade. Eu, diferentemente, podia, numa estranha alegoria que metamorfoseava o meu ego, ouvir a natureza. Mais do que ouvir, podia escutá-la, interpretar o que me dizia. O meu hemisfério cerebral direito assumia-se, assim, doutorado, na captação sensorial da realidade: de olhos fechados, podia ouvir o vento dizer-me que caminho tomar, podia conversar horas a fio com o mar, almofadando nas suas águas as minhas pequenas angústias, absorvendo a energia e a determinação das suas ondas.
    Actualmente não tenho conseguido escutar o que a natureza me diz. Nem o vento, nem as árvores, nem o mar... De braços estendidos ao longo do corpo, provectos na ténue desesperança que me assola, oiço apenas o caos imenso que emerge à minha consciência. Quanto mais tento perceber o que me diz ele, mais me oiço gritar num devastado alento que ultrapassa as fronteiras da suportabilidade. Deixei de saber quem sou eu, deixei de saber como posso reagir às circunstâncias da minha vida e como posso eu decidir ou tomar partido acerca de alguma coisa... Deixei de saber quem és Tu na minha vida e quem sou eu para Ti... Deixei de saber o que faço eu aqui e qual o sentido disto tudo. Os meus sentidos padecem, actualmente, de morte temporária ou permanente e nada fazem para me ajudar. O vento grita numa linguagem a que, limitadamente, acedo. Perco-me nos sentidos interiores, entregue às minhas próprias dúvidas existenciais. À minha volta o mar e o vento tentam nortear-me, gritando cada um na sua própria linguagem, em vão, pois não os percebo.

Afonso Costa

4 comentários:

daniel seabra disse...

talvez precise o mar de te ouvir. talvez seja necessário ir ao encontro do bruta força marítima. jogar-lhe o caos.
andas atormentado. volta àquela pedra. espera pelo por do sol. bem rasgante no horizonte. deixa que apareça o vento do este.
sabes tão bem que só assim o entenderás. sabes bem que o tão teu mar te ouve e acolhe. sabes que o teu tão abade marinho te aconselha. mas sabes as exigências: que tens de sentir a dureza da pedra, o calor do sol poente. e esperar que o vento te sopre.

Daniel C.da Silva disse...

ha tempo para tudo, Afonso, incluive para nao sabermos interpretar os sons... ou os silêncios...

Um abraço

Manuel Nunez disse...

Incrivelmente bem escrito!

Abraço

Afonso Arribança disse...

Muito obrigado! :)