terça-feira, 17 de julho de 2012


"Não é difícil morrer nesta vida: Viver é muito mais difícil."
Vladimir Maiakóvski

(Pintura de Paul Tiberio, tirada daqui)

Recostou-se no grande sofá e ali desertou
Como a janela que não fechava,
Como o tempo que não passou
E por ali ficou...
Num acto de solidariedade que é fabril,
Como ele...
Numa subcondição que é febril,
Como o seu passado.
Sobeja-lhe a ausência...
De ser, de sentir, de estado...
E ali se perde o tempo, sem a veemência
Que outrora era seu fado.
Quem lhe dera que o que foi voltasse a ser...
Que as memórias tornassem a viver,
Que a força da gravidade fosse a de antes
E as rugas se lhe dissipassem do rosto
Que o coração se enlouquecesse,
Perdido numa eterna busca de si.
Mas já não valia a pena lamentar...
O coração permaneceu perdido,
E a provecta busca de si ali rendida.
O que foi não volta, o que era não voltará a ser...
E o torpor tomou conta da sua alma...
Contemplando, a criatura, a vida fugir-lhe pela janela,
Inerte...
À auto-comiseração que lhe consolava o vazio...
Alimentado por um passado que não volta.
E a janela continuava aberta, como sempre,
Para que os deuses pudessem entrar
E chorar a morte de um filho.

Afonso Costa

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