terça-feira, 20 de março de 2012


"Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor."
Bernardo Soares


    Sentado na cama, destrinço pensamentos e sentimentos na minha mente, como se estivesse, na realidade, a farfalhar em coisas antigas dentro de uma caixeta velha. Percebo o quão revoltado estou com a minha triste condição e rio-me ilogicamente da inacção a que me submeto face à situação, enquanto rasgo fotografias de gente que me avulta sentimentos conjurados nas profundezas do meu sistema psíquico.
   Porque escrever é conceder asas à angústia decorrente, decomponho sensações em pensamentos. Enciúmo-me, ciente da execrabilidade dos sentimentos, aviltante exemplo da falta e do vazio que me preenche. É, para mim, axiomático que o ciúme tem mais elementos de grandeza que a inveja, tal que o segundo conceito está relacionado - sem excepção - com o desejo de se ser algo que não se é, enegrecendo uma personalidade, já por si, mal formada. Por outro lado, o ciúme está intimamente dependente de uma personalidade minimamente formada, em que se atenta uma ofensa por perigo de substituição, por medo de desvalorização de uma outra parte, sendo válido tanto para o amor quanto para a amizade. Estará aqui sempre em causa o amor-próprio e o desejo de se ser amado. E só poderá sentir isso na pele quem tem uma personalidade formada a ser injuriada, a ser depreciada - ainda que sem mal intenção - por alguém que possa ver noutra pessoa alguém contemplado de maior interesse. É, pois, da minha condição permanecer sentado na cama, remexendo pensamentos e sensações à flor da pele enquanto me afundo nesta vil conjuntura de sentimentos depreciativos. "Pensar é destruir", dizia Pessoa. Complemento a citação, dando conta de um paralelismo entre pensar e o subvertimento da força do ego, tal que pensar é dissecar elementos internos, e consciencializar-nos de cada um deles pode atentar severamente contra a nossa sanidade mental. Apenas podem sentir isto quem coexiste comigo, agora, dentro de mim. Partes fragmentadas de um eu que se faz perpetuar em sentimentos de auto-destruição. Somos nós que o sentimos e pouco poderá fazer o meu lado racional que as une. Quando nos sentimos ameaçados, a razão torna-se incompetente perante a nossa natureza instintiva.

Afonso Costa

1 comentário:

Sónia Figueira disse...

Não me perguntes como, mas nos encontros e desencontros do facebook encontrei o teu blog e cada linha que leio fico completamente deliciada. Muitos parabéns pelo teu blog.. Há muito que já não lia 'almas' assim. Parabéns :)