terça-feira, 15 de fevereiro de 2011


"Há duas formas para viver a sua vida: Uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre."
Fernando Pessoa


    O menino deambulava pela casa, embalado nas cantigas que trauteava enquanto brincava com um pequeno carro - pouco maior que a sua mão - quando se sentiu mal e caiu ao chão. "Mãe" - clamava de voz rouca e cansada. "Mãe" - repetia, sem forças enquanto permanecia imóvel no chão do corredor frio. Lá fora chovia... Dentro de casa, a mãe estava a auxiliar o outro filho - um pouco mais velho - a fazer os trabalhos da escola. O menino estava cansado e repetia, exaustivamente , ou pelo menos tanto quanto a sua força lhe permitia, o chamamento da sua mãe, que após uns breves momentos acabou por se aperceber de que a criança a chamava. Correu ao seu encontro e, absorta em desespero, levantou-o de imediato com as mãos que, anos atrás, lhe teriam acariciado as belas faces rosadas pela primeira vez quando os médicos, após o nascimento, o teriam levado para junto dela... Mal podia imaginar todo o complexo artifício que o destino tinha esboçado para si e para o seu filho. Com apenas três anos, os médicos tinham-lhe diagnosticado uma leucemia e parecia não haver cura possível. O seu filho estava condenado e apenas um milagre - se acreditasse neles - o poderia salvar. A ciência, com base nas suas certezas observáveis, tinha acabado de vaticinar, com certezas absolutas, o destino do seu filho.
    - Estou muito doente, mãe?
    - Só um bocadinho... Mas vai passar, sim?
    - Prometes?
    Nos braços da sua mãe, o menino fê-la sentir-se a pessoa mais impotente do mundo.  Os seus olhos castanhos cor de mel estavam brilhantes e um sorriso esbatido desenhava-se no rosto do menino. Aquela mãe era capaz de vender a sua vida pela do seu filho. Sabia-se capaz de comprar todos os tratamentos existentes no mundo e sabia-se capaz monetariamente de o levar a qualquer lugar do mundo para o salvar, mas sabia, conquanto, que nada disso lhe valeria de nada. Não havia sapiência que o salvasse, nem dinheiro, nem viagens, nem os abraços que lhe dava - como se sentisse profundamente, de dentro de si, que quanto mais forte o abraço, mais improvável que ele a deixasse. Como se a força com que o abraçava o pudesse impedir de partir um dia... Uma lágrima percorreu, então, o rosto da mãe, enquanto vociferou - "Prometo".

E cumpriu. 

(Por todas as crianças, mães e famílias nesta situação, a esperança e a fé move tudo e é capaz de ir, inclusive, contra a própria natureza - pelo dia mundial da criança com cancro)

Afonso Costa

6 comentários:

paula disse...

Se há coisa que me incomoda e me atinge profundamente mais que qualquer outra coisa. É o facto de estas coisas acontecerem a crianças, são inocentes não sabem nada só querem brincar.

Daniela. disse...

«Os seus olhos castanhos cor de mel estavam brilhantes e um sorriso esbatido desenhava-se no rosto do menino. Aquela mãe era capaz de vender a sua vida pela do seu filho.» Dói conhecer a realidade, mas maravilha-me ler as tuas palavras (sempre) escolhidas com a maior dedicação.

Anónimo disse...

Que texto emocionante, é triste ver o que uma doença pode fazer ainda para mais as crianças que são seres frágeis e inocentes, mas as suas atitudes por vezes são animadoras porque tem sempre ou pelo menos tentam ter um sorriso no rosto o que anima quem os segue e se as pessoas não acritam em milagres deviam acreditar até porque eles existem e iluminam a vida a qualquer pessoa.

Beijinho *

Anónimo disse...

A esperança é sempre a última a morrer. Excelente o texto.

Beijinhos

Herético disse...

Adorei o texto (:

patricia meneses disse...

Gostei do teu blogue e gostei da força que conseguiste dar a este texto que é sem dúvida comovente.
Sei o que é lidar com crianças assim e não é fácil nem se nunca se torna fácil.
Gostei mesmo muito :)