sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


“Ninguém pode fugir ao amor e à morte”
Públio Siro


Encosto-me na cadeira da sala. A lareira aquece o ambiente e o fogo pinta as paredes de laranja, enquanto o vento lá fora uiva e a chuva briga com a terra. Fecho os olhos e adormeço…
E então, cozo a minha mente com um cordão tão forte que não possa mais pensar na dor do final, na dor da perda e da inferioridade perante a ‘Mãe-Natureza’, pois está errado, e magoa tanto pensar naquilo que nos tira deste mundo, e no final de contas, mais útil é pensarmos em mil e uma coisas que temos pra fazer antes desta vida acabar.
Eis que ela chega ao pé de mim e me descose, carinhosamente, a mente, lentamente… Eu encaro-a nos olhos e pergunto:

- E se um dia te perder?
- Não perdes… “A vida não passa de uma oportunidade de encontro (…). Os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.”* E é por isso que a vida vale tanto a pena, para que se criem bonitos laços de amor entre todos nós. Nessa perspectiva, jamais me vais perder, assim como eu a ti.

Não acredito em ‘fins’, acredito em reciclagem, e que este corpo é somente uma casca. Breve sairei dela e entrarei no ciclo da vida. Nunca tive, de facto, medo da morte, pois a minha perspectiva de vida (e morte) sempre foi demasiado positiva, e nunca reagi mal perante situações dramáticas referentes à morte de alguém próximo, pois nunca encarei a morte de forma negativa.

- Mas estamos ligados apenas por laços de sangue e…
- E é por isso mesmo que os laços saem mais fortificados após terminares a tua caminhada nesta vida. O sangue apenas nos une fisicamente, mas quanto mais forte a união física, mais forte a união entre dois seres.

Porém, há alturas da vida em que se sente que talvez se pudesse ter feito mais, vivido mais, e quando penso que o tempo já voou tanto (vinte anos passaram a correr!), vejo-me cada mais mais distante do momento em que nasci. É como um caminho a percorrer, estamos sozinhos e ninguém pode impedir a Natureza de actuar perante todas as coisas, não podemos fugir da morte, e nesse instante sentido, aperto o coração e vejo-me sobre pressão de pensamentos que fluem sem parar: o medo cria-se e cresce e, por vezes, não é só o medo de me entregar ao ciclo da vida, mas… o de entregar alguém (bastante) próximo de mim.

- E tenho, tenho medo por ti… Garante-me que é para sempre.

No último instante do sonho, ela sorriu-me. Quando acordei, o fogo tinha-se apagado, eram já cinco da manhã e fui deitar-me. Fiquei com o sorriso dela espelhado nos meus pensamentos e nunca mais me esqueci dele. ‘Gosto tanto de ti!’

Afonso Costa

*Citação de Vitor Hugo
(Foto: Oriente, Lisboa, 5 de Janeiro de 2010)

13 comentários:

Anónimo disse...

mais um texto marcante, mais um texto lindo. as tuas palavras confortam-me, mas por outro lado tocam-me, mesmo no fundo e são algumas as vezes que uma lágrima sai de emoção. todos nós temos medo da morte, nem que seja só um bocadinho, mas outros apenas têm medo da forma de morrer. hermano, nunca desistas, e pensa, é só uma fase e não irá acontecer nada. nada mesmo nada! estou aqui. abraço <3

Alguém... disse...

Adorei :)

Parabéns pela escrita, está fantastico **

maria gabriella disse...

as tuas fotografias são tão belas (;

Anónimo disse...

gostei imenso afonso *

Million disse...

Por diversas razões este texto está soberbo! Está bem escrito, bem pensado, bem sentido, e é bem tocante...
Nada neste mundo pode ter como certo. Mas a morte no meu ponto de vista não é um final, tal como o texto também mostra. E para além disso,se não houvesse morte qual seria o valor da vida?
Parabéns pelo texto!És grande!

Mara disse...

Tens uma sensibilidade invulgar, Afonso.
E acho que é isso que realmente admiro em ti.

P.S. A citação que escolheste é brilhante*

Joana M. disse...

Promete-me um livro, Afonso.

U disse...

Admiração, é o que é!

Anónimo disse...

Eu ainda não consigo encarar bem a morte, apesar de já ter aceite a partida de pessoas queridas. Sempre que alguém que eu ame partir, eu irei perguntar-me porquê, e ficarei certamente triste, disso eu sei. A parte mais caricata desta situação é o facto de eu ser de biologia e saber bastante bem o que é a morte, e o porquê e a razão dela... enfim, eu ligo-me demasiado às pessoasm custa-me vê-las partir assim.

Texto muito muito bonito e profundo. Gostei muito :)
***

luis nuno barbosa disse...

um texto fantástico, mesmo!
faz realmente pensar!

luis nuno barbosa disse...

apaga este comentário, só para sublinhar uma pequena gralha que tens no início. O verbo cozer. não quererias utilizar coser? o primeiro refere-se a cozinhar, o segundo a juntar. Como depois falas em decoser, isso só fará sentido se tiveres primeiro falado em coser.

abraço

Moonlight disse...

Afonso,

Um texto fantasticamente bonito e belo.
Como aqueles que nos costumas presentear.
Parabens uma vez mais....

Bjinho cheio de luar

as velas ardem ate ao fim disse...

a foto fez me chorar..gosto tanto mas tanto deste pontãp na expo.

o texto é magnifico.

bjo