"O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."
Mário Quintana
Foto: Google
Contemplo o centilhar da caruma e das pinhas na fogueira da sala. A exaltação das chamas provoca-me, incendeia-me os sentidos, e eis então que sinto. Os meus olhos castanhos cor de mel reflectem a cólera das chamas e o meu corpo vagueia, num outro espaço, numa outra dimensão. Sinto… E penso. O segredo que aquelas paredes guardam parece querer soltar-se a qualquer momento, a qualquer instante. Os ávidos desejos, o abraçar de sentimentos, os semblantes em sombra nas paredes… E quando volto a cair de pés no chão, absorvo toda a realidade de forma brusca e implacável, como se a queda tivesse provocado em minha alma um brutal impacto físico. Sem, porém, mais aparições de um passado que se apossa presente, desvio o olhar do fogo e olho para a minha sombra negra circunspecta sobre o branco daquelas paredes. Aquelas paredes que escondem um segredo, dois ou três, de tantas cores e feitios. Tão patético, tão sei lá eu o quê. Sei lá eu também porque chorei eternas noites sobre aquele tecto, sob aquele candeeiro entortado, tão belo – ou talvez trágico - quanto foi aquela paixão. Bucólicas epifanias do passado que já não são mais sombras no meu presente. Por agora, a lua vai soltando gritos de luz intensa, afogando na linha oceânica do horizonte revelações sem peso nos meus sentimentos por ti, que emergem à tona da água, cada vez mais fortes, cada vez mais calorosos. E surgem, entre meros vipes sentimentais, as recordações e as profecias, um terno abraço, e o beijar dos teus seios. Como quando fazíamos amor na cozinha ou na sala, e do sabor dos morangos que me oferecias passava para o sabor do teu rosto e dos teus lábios... A tua desconforme perfeição vai-se debatendo contra a minha racionalidade que desliza à toa, e quando dou por mim… Acaba de se tornar impossível remar mais contra correntes.
Afonso Costa
12 comentários:
Afonso,
Quantas vezes nos deixamos invadir por um momento assim...."que se acaba por tornar impossivél remar contra a maré" do esquecimento!
Belissimas as tuas palavras.
Mas era gratificante por algumas vezes o tempo podesse parar em certos momentos da nossa vida e não mais passar....
Bjinhos cheios de luar
Eu não sei nada da tua história mas, puxa. Vai atrás dela se puderes, se te for possível porque digo-te: nunca vi ninguém escrever de forma tão sentido quanto tu.
a frase de cima é tão, tão verdade!
Sempre excelente, Afonso (:
estupendo afonso:P
adorei aquela primeira frase, fantástico!
Saudades das recordações, dos tempos...e principalmente das pessoas, quem não as tem. Quem não tem momentos parecidos com esse.
Adorei a forma como relacionas tudo, como falas do que ves, da lua, do candeeiro. Excelente, adorei :)
Sinceramente Afonso, nem cheguei a ler o texto. Ouvi a música, li a frase de cima e desabei por completo. Obrigada.
Um beijinho *
Tenho um selo para ti no meu blogue: www.ruelascruzadas.blogspot.com
espero que gostes :)
nunca desistas de remar contra a corrente afonso, não faças como eu, continua a remar *
"Sei lá eu também porque chorei eternas noites sobre aquele tecto, sob aquele candeeiro entortado, tão belo – ou talvez trágico - quanto foi aquela paixão. Bucólicas epifanias do passado que já não são mais sombras no meu presente. Por agora, a lua vai soltando gritos de luz intensa, afogando na linha oceânica do horizonte revelações sem peso nos meus sentimentos por ti, que emergem à tona da água, cada vez mais fortes, cada vez mais calorosos."
Sem dúvida,perfeito .
O amor nunca é fácil. E de que adianta a nossa racionalidade quando nos debatemos com o amor?
"Sei lá eu também porque chorei eternas noites sobre aquele tecto, sob aquele candeeiro entortado, tão belo – ou talvez trágico - quanto foi aquela paixão. Bucólicas epifanias do passado que já não são mais sombras no meu presente."
está completamente perfeito; escreves e consegues agarrar quem te lê até ao fim.
beijinhos
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