“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Plácido e invulgar, trazíeis contigo uma força incomensurável enquanto percorrias as pradarias verdes dos montes em que crescestes. O sol podia parar de brilhar e o céu tomar a ousadia de se vestir de negro, podia cair toda a chuva necessária para o verdejar do mundo à vossa volta, podia ceder o vosso telhado à pujança das águas que se atiravam do céu e podiam as árvores prostrar-se pela robustez do vento vindo de norte, que nem assim a verdade seria ocultada pelo escuro da noite posta, nem levada pelas águas estupras que não paravam de cair dos olhos da noite, nem seria tampouco arrastada pelo vento, desfazendo-se em mil pedaços. Porque a verdade não se esconde, nem se deixa arrastar, muito menos se pode cindir em partes. Porque verdade há uma e só uma. E em pensar que é tão vulgar dizer a verdade, tão vazio, tão sem conteúdo, sem razão. Palavras que são levadas pelo vento, pensamentos que se esfumam com o travo de um cigarro, tão pouco ou tão nulas, porque é no sentir interior que se prostra a mentira e se aniquila a limitação dos sentidos exteriores. E foi ao sair de casa que entrastes no escuro, como se tivésseis os olhos vendados, e sentistes pelo campo que percorríeis, a verde erva molhada por baixo dos vossos pés. Como é bom sentir a erva molhada. E no escuro não sois enganado pelos vossos olhos. Como é bom sentir a força da natureza à minha volta, a chuva que cai, o vento que quase me derruba. Sentir o frio do temporal na vossa pele que, já marcada pelo tempo, resistia à força de braços que a natureza exerce sobre toda a planície, sobre todas as criaturas, sobre todas as coisas. Soprando, o vento ia chorando as sete notas musicais, absorvidas pelos vossos cinco sentidos naquele dia que os violinos tocavam no seio da vossa pessoa. Não obstante, a força do vento da montanha adormecia naquele momento em vós, o tempo chovia, e vós caíeis no chão, prostrado pelo tempo e pela verdade que pesa, pois a mentira é tão fácil de viver. E cessavam os violinos no momento em que o alento e o sentido da vida se perdiam na força do vento. Porém, porque quando a alma não é pequena tudo vale a pena, repetíeis pra vós palavras de amor-próprio que vos ajudaram a reerguer a força do vento interior, a bravura dos oceanos que vos protege dos infortúnios, e vos levantastes naquele momento… E quando ao cimo da montanha chegastes, bradastes ao mundo a radiância do sol que voltara a brilhar no vosso coração, e tornastes-te deus, deus de vós e do vosso mundo. Gritastes aos deuses a promessa de que nada mais vos prostraria dali em diante, nem a força da natureza que vos tínheis levado o coração. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”
10 comentários:
A qualidade das tuas palavras abisma-me...
A imagem de um manto negro a ser vestido pelo céu ousado, a sensação de ter erva molhada nas plantas dos pés, ser absorvida por um som de violinos e ventanias vindos sabe-se lá de onde...
"E no escuro não sois enganado pelos vossos olhos."
Tão simples e tão verdadeiro.
E o Pessoa tem toda a razão do mundo também, na sua frase tão famosa :)
Adorei o texto.
Beijinho*
lindo Afonso. adorei *.*
dos melhores :) *
A tua forma de escrever é tão intensa. está fantástico afonso*
A leitura deste texto foi óptima, porque consegui criar as imagens e as sensações na minha mente. E sim, tudo vale a pena.
Obrigada :b
Gostei muito da tua forma de escrever Afonso (: *
Faz-me lembrar Camões, perdoa-me. Mas está tão bonito.
Boneca de trapos nunca tive, mas tenho que aprender a deixar de gostar por gosto ou por obrigação.
eu tento, mas é muito dificil :x
Prometo que depois volto aqui e leio :)
Obrigada pelas palavras certas cada vez que passas pelo meu cantinho :')
Beijinho Afonsoo *
Normalmente afecta o humor e a balança :b obrigada *
Fui pois :) Ainda bem que gostaste ^^
Quanto aos teus textos, já sabes a minha eterna opinião xD Perfeitos *.*
Enviar um comentário