Trazia o incomensurável peso de uma vida às costas, farpadas, rendidas ao peso dos anos que tinham passado. Maria nunca foi pessoa de passar a vida sentada, como uma pedra, vendo o rio passar por si. Era uma mulher forte, de personalidade vincada, de pequenos grandes feitos, uma mulher de vida e para a vida. Onde quer que passasse, ninguém lhe era indiferente. Cabelos castanhos desgrenhados, porém compridos e volumosos, um rosto branco – branco como a sua alma -, de uma brancura que se fazia notar ainda mais pelos grandes e expressivos olhos azuis. Era uma conquistadora nato, porém modesta. Não se achava bela, apesar de toda a gente lhe o dizer. Não se achava de todo bela. Porém sabia-se inteligente, e dona de um grande, grande coração. Era mulher de amar toda a gente, até mesmo os seus inimigos. Que o digam as vizinhas, cujos descendentes, crianças na altura, ainda hoje se recordam dela como uma pessoa simplesmente admirável. Sabia como ninguém desfazer novelos de tristeza, transformá-los em sorrisos, pregá-los na parede, era uma pessoa feliz e sem dúvida que tinha o dom de fazer felizes os outros á sua volta.
Ontem estava sentada num cadeirão, tão velho quanto a sua casa. Fora-lhe oferecido como presente de casamento, e ainda hoje estava ali, firme e forte, segurando em si o peso de uma mulher já cansada das vicissitudes da vida, do peso dos anos que foram chegando sem pedir licença. Não parecia a mesma e o sorriso tinha-se dissipado, as recordações de uma vida tão bem vivida doíam, bem fundo, bem forte. Era ver-se ao espelho que lhe doía mais na alma. O mesmo espelho que toda uma vida tinha visto passar por aquela casa. Sempre que se olhava nele, derramava uma lágrima. Os sorrisos de lã pregados na parede tinham voltado a fazer-se novelos. A cara tinha ganho expressões nunca antes vistas em si, tinha engelhado, e marcada em si cada ruga, cada ano da sua vida. Era um facto, Maria tinha caminhado tanto até ali, fora uma vida difícil. E isso tinha-a cansado.
Mas fora a última vez, nunca, nunca mais se vira ao espelho… Nessa noite o espelho partiu-se. E com ele tudo se foi.
Ontem estava sentada num cadeirão, tão velho quanto a sua casa. Fora-lhe oferecido como presente de casamento, e ainda hoje estava ali, firme e forte, segurando em si o peso de uma mulher já cansada das vicissitudes da vida, do peso dos anos que foram chegando sem pedir licença. Não parecia a mesma e o sorriso tinha-se dissipado, as recordações de uma vida tão bem vivida doíam, bem fundo, bem forte. Era ver-se ao espelho que lhe doía mais na alma. O mesmo espelho que toda uma vida tinha visto passar por aquela casa. Sempre que se olhava nele, derramava uma lágrima. Os sorrisos de lã pregados na parede tinham voltado a fazer-se novelos. A cara tinha ganho expressões nunca antes vistas em si, tinha engelhado, e marcada em si cada ruga, cada ano da sua vida. Era um facto, Maria tinha caminhado tanto até ali, fora uma vida difícil. E isso tinha-a cansado.
Mas fora a última vez, nunca, nunca mais se vira ao espelho… Nessa noite o espelho partiu-se. E com ele tudo se foi.
21 comentários:
Parabéns pelo texto.
Estou espantada, nunca vi um rapaz escrever assim ;)
Uauu, que bemmm. Até me arrepiei, um dia todos iremos passar por isso. Meu deus, a serio. Deixaste-me de uma maneira com este texto.
Está mesmo bonito.
Beijinho*
ei, que texto tão bonito :$
a descrição da maria fez-me lembrar alguém ..
quanto ao meu post, qualquer dia posso falar de escarros. é só um aviso. cautela (a)
boa páscoa Afonso :) *
Realmente as Marias têm sempre uma magia... :b
Está realmente lindo Afonso, como sempre. :)
É realmente tão bonito, a maneira como viste 'o fim' com uma essência tão pura...
Essa pedrinha em forma de coração deve ser linda, e aposto que não seja 'só uma pedra' para ti, seja 'a pedra' . :)
Beijinhos *
Eu sabia que só podia ser 'a pedra', tinha um felling. :)
De nada, é tudo verdade. :)
Pronto, é magia de Maria... Sabe-se lá porquê, não é? :b
Beijinhos *
Antes de mais quero agradecer o comentário :) Muito obrigada, mesmo!
Bem, eu estou de facto surpreendida. Sublinho as palavras da DAN: nunca vi um rapaz a escrever assim. Sem medo! Sem medo e com coragem para fugir aos esteriótipos e (ainda) capacidade de transmitir essa mesma força e atitude aos outros.
Adorei o texto. Agora sou eu que digo: adorei o final. A maneira como conseguiste pôr a descoberto a gentileza e pureza de quando se chega ao fim. Uma descrição descomunal!
Magnífico, sem margem para dúvidas.
estou rendida :P)
Um beijinho* :D
Podia tê-lo escrito, um dia que quisesse descrever a minha mãe; tocou mesmo cá dentro, mesmo muito :)
Obrigada por partilhares estas coisas, Afonso *
Gostei.
*
Boa páscoa (:
Eu sim gostei do teu cantinho. Escreves muito bem, acredita! Estou espantada e vou-te adicionar ^^
Espero que não te importes.
Beijinhu
Queria comentar o post de baixo, mas nao consegui :s "amo-te" é a palavra mais forte e expressiva que se pode dizer ou ouvir de alguem. Sabe bem ouvir. Sentimo-nos completos. E quando é verdadeiro, nunca se esquece :')
"Infelizmente, quando dois rádios estão em frequências diferentes, dificilmente se entendem, e as músicas confundem-se." resta procurar uma nova frequencia e sintinizares-te :')
Quanto a este post:
O tempo não perdoa, nem a quem merece uma felcidade eterna.
Adorei a história *.* Maria sustentava a existência de tudo o que a rodeava.
Vou adicionar-te aos meus escritores. Impossível é nao o fazer.
Parabéns por todos estes textos lindíssimos *.*
Está incrível o texto, e o que me tocou ainda mais foi saber que um dia vamos passar por isso :')
beijinho*
Bem mas que lindo=)
beijinhos*
Gostei especialmente do fim :) Não estava à espera e ficou ... tão bonito :D
Beijinho, *
Digamos que quem escreve com alma, escreve sem medos e como se não houvesse amanhã.
A Maria está um bocadinho em todas de nós. Quer porque nos achamos de vida difícil, quer porque temos olhos azuis. Eu mesma tenho o cabelo castanho desgranhado, comprido e volumoso da Maria.
Um dia espero chegar a esse espelho, olhar-me e ver uma mulher de vida completa, pronta a deixar este plano, de coração cheio de alegrias e uma alma completa de felicidade. :')
Beijinho*
O verdadeiro sábio é aquele que mais do que desfazer os novelos de tristeza alheios, sabe desfazer os seus próprios... e tira de cada experiência vivida, da dor por ela trazida, das marcas por ela deixadas, toda a sabedoria que o seu coração pode comportar... e o tempo não deixará vestígios, a não ser o da própria sabedoria...
:-))
Boa Páscoa!! Beijinhos!!
Não quero envelhecer, perder a vontade de sorrir. Quero fechar os olhos e fingir que o espelho nunca, nunca vai partir.
<3
Eu li este texto quando foi escrito! E, devo dizer que, gostei muito apesar de estar triste. Mas pensa, ela podia ter sido feliz noutra altura.
FOOOOON *
Um texto digno de todas as Marias por este mundo fora.
Que texto, Afonso. Parabéns ^^
A vida é fodida.
é sempre bom vir cá e ver estas preciosidades *
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