O ser humano só vê o que está preparado para compreender. Mas há certos aspectos de compreensão urgente.
Ninguém nasceu incompleto e, como tal, ninguém tem uma alma gémea. Esse pressuposto leva a que se pense que se uma pessoa não serviu, há-de chegar “a tal” e, de facto, as coisas não funcionam assim. Em primeiro lugar, porque nascemos completos e, apenas por uma questão social/emocional, ter alguém acrescenta, mas não completa. Em segundo, se uma pessoa não serviu, mas por acaso podia ter servido, é porque alguma das duas partes, ou mesmo as duas, não se esforçaram para que tal acontecesse e isso pode repetir-se até ao fim da vida. As relações não são fáceis. O ser humano não é simples. E, por fim, o amor não é fácil. Requer trabalho, requer compreensão, cedências, requer profundidade de pensamento e de sentimento. E nada disso surge do vazio, mas de um complexo trabalho de entrega.
Muitas das pessoas que passam na nossa vida, e que por acaso não deu certo, teriam dado certo. Muitas vezes não é a falta de química, não é por não ser "a tal", mas por um excesso de egoísmo, por um défice de vontade de trabalhar em conjunto, por uma falta de ambição em tornar aquela pessoa "Na" tal.
As pessoas passam uma vida a queixar-se de que não têm sorte nas relações ou de que estão sozinhas e assim vão terminar a sua vida. Será que a culpa disso não está em cada um de nós? Presos ao egoísmo e à necessidade de nos afastarmos do que nos exige trabalho, atiramos borda fora oportunidades que poderiam levar-nos a conhecer a nossa “alma gémea”. Presos à impaciência, perdemos e ignoramos pessoas que fazem tudo por nós. A verdade é só uma: não escolhemos de quem gostamos. Mas podemos escolher se queremos estar mais abertos ou mais fechados a que isso aconteça. E isso determina toda a nossa vida amorosa. Basta começar a olhar para a alma daquela pessoa. Basta perdermos o medo, colocar-nos frente-a-frente com ela e, parando o tempo mentalmente, olhar nos olhos dela; procurar onde a admiramos, procurar o que nela nos faz sentir bem, parar de pensar no mundo lá fora, largar a mochila com o peso da nossa vida e das nossas preocupações e tentar ir ao encontro daquela alma.
Por fim, gostar/amar não é querer TER a outra pessoa. É querer SER com a outra pessoa. Muito menos é achar que gostamos de alguém e, uns meses depois, já não sentir nada. Quando gostamos, esse sentimento perdura e resiste a rancores e ressentimentos. Quem ama, não quer obrigar a outra pessoa a ser sua. Quer, acima de tudo, que essa pessoa seja feliz e faz tudo por isso, mesmo que nada lhe seja retribuído. Quem gosta, gosta muito tempo. Muito tempo mesmo.
Eu amo a mesma pessoa há quase um ano e sei que podíamos ter sido tudo juntos, mas quando uma das partes se fecha a essa oportunidade, mesmo que pudesse dar tudo certo, nada vai dar certo. Quando a outra parte decide afastar-se ao invés de ir ao encontro, tudo começa a dar certo para o fim do que poderia ter sido muito mais. Como eu, milhões de outros seres humanos estão sós. Mas se forem como eu, tenho a certeza que o desejo não está em ter uma relação amorosa, porque a verdade é que nós somos seres completos e não precisamos de ninguém que nos complete. Mas se gostamos de alguém, necessariamente queremos SER mais, junto dessa pessoa. E vamos continuar a querer durante muito tempo porque se, por um lado, nos abrimos à possibilidade de gostar daquela pessoa e isso aconteceu, por outro, não controlamos os sentimentos que surgiram. E que vão permanecer, porque quando ele surge, se for verdadeiro, ganha raízes e só encontra um caminho: declarar-se e expressar-se em palavras, em atitudes e, por vezes, em doloroso silêncio.
Afonso Arribança